“Nonada. Tiros que o senhor ouviu foram de briga de homem não,
Deus esteja.” Assim que começa o livro já dá para ter uma boa ideia do que vem
pela frente sobre a escrita de Guimarães Rosa. Eu não entendi muito bem o que
ele queria dizer com “nonada” logo na primeira palavra do livro, mas
pesquisando eu descobri que se trata de uma transcrição de como as pessoas do
sertão falavam “Não é nada” = “Nonada”, ou seja, o autor tenta exprimir pela
escrita a linguagem comum do sertanejo ou, no caso da história do livro, dos
jagunços (e todas as páginas estão com esse vocabulário, como eu mostrei acima,
e ininterrupto; não há capítulos ou pausas, afinal trata-se de uma conversa
praticamente, quase um monólogo). Mas preciso dizer que eu tenho uma relação de
ódio e desejo com a escrita do livro, porque de uma forma, o Guimarães valoriza
bastante a linguagem corrente do brasileiro, exaltando-a profundamente de como
o vocabulário e léxico das palavras coloquiais são riquíssimos, entretanto,
isso dificulta muito a leitura e até a compreensão de várias passagens que
precisam ser relidas, pois é impossível compreender tudo na primeira vista. Embora
a dificuldade na leitura devido ao léxico utilizado não seja um grande
problema, eu achei o livro muito prolixo, e eu digo isso como uma experiência
própria de leitura que vou explicar daqui a pouco.
No primeiro momento, eu achei interessantíssimo o enredo que é sobre
um jagunço estudado, Riobaldo, que está falando com alguém, só que nós leitores
não sabemos quem é essa pessoa que provavelmente vem da cidade, e esse jagunço
resolve contar alguns causos para ele sobre a vida que tem e teve no sertão.
Desse modo, Riobaldo começa a falar de como é a vida de jagunço, o que é o
sertão e, a todo momento, ele acaba questionando a si e a esse interlocutor sobre
muitas questão pessoais e até universais no Ocidente, como por exemplo, a
existência de Deus e do Diabo. Isso é muito legal porque a cada momento parece
que ele fica se desdizendo. Então ele fala algo, mas logo se retrata ou muda de
opinião e ficamos nos indagando junto com ele sobre a existência ou não de Deus
e do Diabo, o que de fato nos prende a atenção porque queremos saber qual a
resposta definitiva que ele dará para isso e ele vai permeando toda a história
com essas dúvidas (mas é preciso ler até o fim para saber qual a resposta que
ele encontra pra isso). Logo são apresentadas também outras personagens e o
principal deles é Diadorim; eu não quero me estender sobre Diadorim porque eu o
achei a melhor pessoa do livro, e a relação que Riobaldo e ele desenvolvem é
fantástica, eu só passei por todo o livro pra saber mais sobre a personalidade
de Diadorim, pois parece que ele é um jagunço diferente dos outros... enfim, é
uma personagem que eu me interessei muito e que não quero contar mais porque é
uma leitura muito boa quando Diadorim é “protagonizado” no livro e você vai
descobrindo cada vez mais sobre ele. É verdade também que houve outros motivos
que me fizeram continuar a leitura: o primeiro é o amor que Riobaldo sente por
Diadorim, mas que é um amor proibido, uma vez que os dois são homens e eles não
sabem lidar com a situação, dessa forma, vários pensamentos eróticos ou
insinuações entre os dois são feitas e fiquei vidrado toda vez que aparecia o
nome Diadorim pelas páginas (hehehe); o segundo motivo que me fez ler com
bastante gosto o livro foi que me contaram que Riobaldo a certa altura de suas
andanças pelas Veredas do sertão faz um pacto com o Diabo... Só que a todo
passo que ele dava na história parecia que ele duvidava do Diabo e eu ficava
pensando: como ele pode fazer um pacto com o Diabo se ele duvida a toda hora?
Em que momento ele vai acreditar no Diabo para fazer o pacto? E foi aqui que eu
tive uma surpresa porque algumas coisas acontecem que o que eu fiquei sabendo
não acontece de fato no livro, tem outras camadas interpretativas e vocês
precisam ler para descobrir como é elaborada essa crença ou não no Diabo e o
tal do pacto.
Mas gente....... o meio do livro para mim foi entediante.....
me desculpem porque eu sei que esse livro tem uma linguagem e uma narrativa
riquíssimas, além da importância desse livro para a literatura brasileira. Mas
olha..... não funcionou para mim em todas as partes. Em algumas passagens foi
tão chato ler que parecia um murro na próstata de tão insuportável. Nem vou
comentar alguns trechos que eu achei desnecessários, alguns vai-e-vém
narrativos porque o Riobaldo começa a falar de um assunto e depois corta e
depois volta e depois muda de assunto e depois retorna para o primeiro
assunto.... PQP!! Me deu raiva até do cara que estava ouvindo ele contar tudo
isso e não perguntava nada quando era necessário. Ahh.... e também achei que o
livro prolonga muitos momentos que não são interessantes, porém nos momentos
que são mais impactantes, acontece uma descrição super simples e rápida sobre o
fato (Pfff). Foi percebendo isso que eu fiquei desmotivado lendo umas 300
páginas. Mentira... não foram tantas páginas assim seguidas, porque no meio
disso tudo acontece um episódio em que um dos jagunços, Hermógenes, trai o grupo
deles e ele se torna um inimigo declarado de Riobaldo que já não tinha grande
apreço por ele. (Essas partes de rivalidade, xingamentos, rancores, ódio etc
são bem “dahora).
Ocorre que..... o fim desse livro é GENIAL! Eu tive várias
surpresas e quando os “contos” de Riobaldo vão chegando a um fim, as coisas
começam a ficar fod@. Lembra que eu contei sobre a relação dele com Diadorim?
Então, o desenrolar dessa história é uma das coisas mais bem pensadas e
escritas que eu já li na vida. Por isso que as últimas 70 páginas eu comecei a
ler desesperadamente porque eu precisava saber o que iria acontecer. LEIAM esse
livro porque ele acaba trazendo muitas questões existenciais que não são só
essas entre Deus e o Diabo, mas muitas outras que me fizeram parar várias vezes
para pensar na vida e renderam vários gastos de post-its com passagens e frases
“maravilindas”. Mais ainda, a partir desse livro, é possível você perceber o
quanto que a língua portuguesa e suas variações regionais e etárias são muito
valiosas e merecem todo o apreço desse mundo, sendo que fica PROIBIDO (rs) ter
uma posição elitista perante o português falado em qualquer lugar ou por
qualquer pessoa que seja. Se uma pessoa se acha fod@ porque conhece as regras
da norma padrão da língua portuguesa, é porque ela nunca leu O Grande Sertão:
Veredas, ou ela não entendeu nada do livro.
P.S. O livro é muito bom!
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