Dissonâncias, de David Rocha

Texto de Gregório BravinJornalista, escritor e produtor cultural. Circulando no eixo Rio de Janeiro – Cachoeiro de Itapemirim.



Logo que subi no ônibus, avistei e reconheci um rosto, um rosto familiar que sempre me remeteu a um mosaico. Era o Igor, um amigo presente nos quatro anos e meio de graduação. Avancei a roleta dupla do Transcol e fui cumprimentar meu estranho amigo pensando que teríamosuns bons vinte minutos de conversa. 

Igor me sorriu, apertou vigorosamente minha mão e, denotando alguma pressa, mergulhou sua mão no fundo da mochila trazendo à tona um objeto de capa amarela e preta. Me apontou aquela arma e disse: “maninho, leia isso”. 

O rapaz de fisionomia cubista se adiantou postando-se à porta do coletivo e arrematou sua descida dizendo “Me devolva depois, hein!”. Foi assim que Dissonâncias veio parar em minhas mãos. Um livro fino, de capa atrativa, versos curtos. Em pé, dentro do ônibus, indo para a Ufes, não tinha outro entretenimento senão o de folhear o tal livro de um autor que nunca havia ouvido falar. 

Já li vários livros de escritores do Espírito Santo. Sei que a maioria deles se ofendem ao serem identificados como autores de literatura capixaba. Por esse motivo, retomo atenção para identificá-los como escritores que produzem no estado do Espírito Santo. Pois bem, já li vários desses escritores e gostei de alguns deles. Leio na maioria das vezes contos e romance, poesia bem pouco. Considero os textos poéticos muito abstratos ou rebuscados. Pouco passeio por esse gênero. Talvez por essa razão esse livro tenha me causado esse desconcerto. Dissonâncias chegou como um presente. A leitura foi revigorante. 

David Rocha “velho bibliotecário” nos traz um livro de difícil definição, rico, muito plural. Ora me fazia pensar o quão engraçado pode ser a observação do banal, ora me fazia franzir as sobrancelhas pelo despertar de alguma estranheza. A disposição das poesias me confundiu um pouco, e estando dentro de um ônibus, acentuara a sensação de movimento: movimento na leitura, nas intenções, nas entrelinhas, movimento nos versos.Uma freada mais brusca e as letras voariam do livro. 

Ficando entre o desconforto e o risível, é notável que o livro nos leva a extremos. Em uma página, estamos num jogo de palavras que nos remete ao universo íntimo do autor, em outra, nos defrontamos com uma denúncia objetiva e sem contornos da violência que atinge a todos, e em principal direção, os negros. A poesia de David Rocha põe a mão inteira na ferida e não faz concessões. 

Admito que foi um dos livros de poesia que mais conversou comigo e não o situo na literatura produzida no estado do Espirito Santo. Situo-o na Literatura Brasileira. É um livro aparentemente despretensioso que se revela perigoso. Deve ser lido distraidamente, com pressa, ligeiro. 

Adote esse método e você terá uma agradável companhia por uns vinte minutos. Foi esse o tempo médio de meu percurso. Mas se você ceder à sensibilidade, se der essa bobeada, então terá companhia por dias e poderá se ver no ímpeto de escrever sobre essa experiência. Dissonâncias é uma espécie de grito.

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