A jornada de Chris McCandless, por Jon Krakauer - Na natureza Selvagem

"não há como trazê-lo de volta. Não tem conserto. Não sei se a gente supera esse tipo de perda. O fato de que Chris se foi é uma dor aguda que sinto todos os dias. É realmente duro. Alguns dias são menos ruins que outros, mas vai ser duro todos os dias pelo resto de minha vida." Billie McCandless, mãe de Chris...



Tive o prazer de ter em mãos o livro Na natureza selvagem, de Jon Krakauer, publicado pela Editora Companhia das Letras. graças a uma compra que fiz na livraria Saraiva, onde o mesmo estava numa linda promoção por apenas 19.90. [O preço dele é 40.00 reais]. O autor estava na minha lista de experimentos literários. Fiquei sabendo da obra por meio do site filmow, e logo que vi a sinopse do filme, e descobri que era uma adaptação de um livro, fiquei bem curiosa para conhecer a história de Alex Supertramp, ou - como era seu nome de batismo - Christopher McCandless...

Chris era um rapaz de 24 anos, que foi encontrado morto dentro de um ônibus abandonado, numa paisagem inóspita do Alasca no ano de 1992. Provavelmente sua morte foi devido à inanição, por estar a mais de 100 dias vivendo nessa região erma, em que ele resolveu se isolar um pouco do mundo e viver em comunhão com a natureza, tirando dela o seu sustento... 

Chris pertencia a uma família abastada da costa leste americana e desde pequeno as pessoas percebiam que ele possuía algo de inquietante em sua personalidade. Após se formar em Direito, no ano de 1990, doou todo seu dinheiro para uma instituição de caridade que combate a fome, e saiu pela estrada com um carro, que logo abandonou quando percebeu que ele não seria mais útil a seu intento. Percorreu várias cidades dos Estados Unidos, pegando carona e fazendo amizade com vários desconhecidos - que futuramente saberiam o desfecho da aventura de Chris rumo ao Alasca e que através de seus depoimentos, o autor Jon Krakauer pôde escrever um artigo para a revista Outside e posteriormente, escrever seu livro...

Confesso que é difícil me conter em contar toda a história, pois o livro me deixou num estado de reflexão profunda. Várias perguntas permeavam minha cabeça ao longo da leitura e no íntimo, acho que sou do time de pessoas que compreendem Chris. Um rapaz jovem, rico, que tinha tudo para se tornar um excelente profissional em sua área e que abandona tudo em busca de uma aventura com desfecho fatal. Muitos o consideraram inconsequente, egoísta [por ter abandonado a família e amigos sem dar notícias por longos dois anos]. Mudou seu nome a fim de encobrir seu paradeiro. Mas acredito que o pouco tempo que viveu, e o período curto que passou na região alasquiana, que lhe custou a vida, foi proveitoso para ele de alguma forma. Acredito eu, que Chris encontrou o que buscava, de alguma maneira... 

"Tive uma vida feliz e agradeço a Deus. Adeus e que Deus abençoe todos." Chris McCandless, Agosto de 1992.

Krakauer faz um excelente trabalho biográfico, reunindo relatos de várias pessoas que tiveram contato com Alex/Chris ao longo do caminho. Um dos mais emocionantes para mim foi o do senhor de 80 anos, que havia perdido esposa e filho num acidente de carro, e resolveu 'adotar' Alex, e sentiu bastante quando o jovem resolveu seguir viagem. Vez em quando ele mandava postais para essas pessoas que ele encontrava, mandava para sua irmã Carine, a única da família com quem tinha um relacionamento afetuoso. Lendo a obra, de início parece que os pais dele eram pessoas ruins, a quem o filho tinha extremo ressentimento, mas quando nos aprofundamos na leitura, percebemos que o problema não eram os pais dele, e sim, o conceito de 'pais' em si... Poderia ser outro casal, creio eu que Chris sentiria por eles a mesma coisa que sentia por seus pais... A revolta 'infundada' do rapaz pode não ser compreendida ou justificada, mas de qualquer forma, tinha sentido para ele...

""Você via logo que Alex era inteligente", reflete Westerberg, acabando seu terceiro drinque. "Lia muito. Usava um monte de palavras pomposas. Acho que parte do que complicou sua vida talvez tenha sido que ele pensava muito. Às vezes fazia força demais para entender o mundo, saber porque as pessoas eram más com as outras. Um par de vezes tentei lhe dizer que era um erro se aprofundar tanto naquele tipo de coisa, mas Alex empacava. Tinha sempre que saber a resposta certa e absoluta antes de passar para a próxima coisa."."

Outro fator que gostei na abordagem de Krakauer é que ele acaba fazendo um paralelo da história de Chris McCandless com vários outros aventureiros que tiveram fim parecido com o rapaz, inclusive na mesma região onde ele faleceu. Jovens e pessoas mais maduras que arriscaram suas vidas em troca de alguma emoção, seja escalando montanhas, ou tentando sobreviver em ambientes inóspitos. Ao ler Na natureza selvagem, você conhece a trajetória de Chris McCandless e acaba descobrindo a vida de outros que não se tornaram tão famosos a ponto de ter sua vida narrada num livro... 

""Everett era estranho", admite Sleight. "Meio diferente. Mas ele e McCandless pelo menos tentaram seguir seus sonhos. Isso é que faz a grandeza deles. eles tentaram. Pouca gente faz isso."." 

O próprio autor se identifica com o rapaz, pois cometeu alguns atos de loucura escalando a Geleira Stikine, no Alasca. É interessante observar como o autor projeta sua aventura na aventura de Chris e na de outras pessoas citadas no livro... Confesso que grifei vários trechos significativos e impressionantes, que me deixaram desolada, e ao mesmo tempo sentindo empatia pela coragem desses aventureiros. Bom frisar que anotei várias referências de obras lidas por Chris, algumas delas eu já li, e outras já estavam em minha lista de livros para ler... Inclusive, graças a ele, resolvi dar uma nova chance a Thoreau...

"Ali, a geleira transborda abruptamente pela borda de um platô alto. [...] ao ver aquele tumulto a longa distância, senti realmente medo, pela primeira vez, desde que deixara o Colorado." Relato de Jon Krakauer sobre sua aventura escalando o Polegar do Diabo.

Chris gostava muito de ler e tinha nos autores Jack London, Tolstói e Henry David Thoreau seus maiores ídolos. Baseado nas narrativas fictícias de London, Chris resolveu se aventurar também. Em seu período em Stampede Trail, ele registrou em seus livros a sua trajetória no local, desde quando tentou voltar e o rio estava cheio demais para atravessá-lo e resolveu voltar para um ônibus abandonado que serviu de refúgio para ele naquele verão. Sozinho, ele passou várias semanas se virando para comer e se proteger do frio, usando de parcos recursos de sobrevivência e de pouca experiência em áreas remotas como aquela.

O interessante no livro é descobrir quem foi Chris McCandless não apenas como 'o cara que morreu dentro de um ônibus abandonado no Alasca'. Com a leitura, você conhece o ser humano que ele foi, do que ele gostava, do que ele odiava e afins. Muitas pessoas o tomaram por estúpido, outros, como o autor e eu, o tomam por um jovem de coragem, impetuoso, cheio de paradoxos que o tornavam uma figura única. Seus conceitos de moral e relacionamento social são descritos com maestria por Krakauer, e o leitor acaba criando empatia por ele e por tua trajetória...

"A parte mais dura é simplesmente não tê-lo mais por perto." Walt McCandless, pai de Chris...

Poderia me demorar mais nessa resenha, mas passaria horas escrevendo e discorrendo a respeito. Sem sombra de dúvidas, foi uma experiência mágica conhecer Chris McCandless/Alex Supertramp. Não quis me aprofundar nas pessoas que ele encontrou pelo caminho pois a resenha daria outro livro. Me perdoem a prolixidade, mas me foi impossível escrever menos do que os parágrafos contidos nessa resenha...

Quanto ao filme, ele tem uma perspectiva mais romantizada e se atenta unicamente à aventura do personagem, não focando em indivíduos citados no livro, além daqueles que tiveram contato com Chris. A trilha sonora é divina, desenvolvida por Eddie Vedder, vocalista da banda Pearl Jam. A adaptação cinematográfica é de Sean Penn e traz Emile Hirsch no papel de McCandless. 




Em suma, é um livro que recomendo a todos, a qualquer pessoa que possa se sensibilizar pela morte de Chris, àquelas pessoas que sonham em viver uma aventura em busca de si mesmo e de contato com a natureza. Uma história sobre coragem, entrega ao desconhecido e abandono de tudo em busca de liberdade... 


Alex Supertramp/Chris McCandless, poucos dias antes de sua morte por inanição...

Comentários

  1. Eu não li o livro, mas eu vi o filme em um evento no qual participaram várias pessoas, depois ficamos discutindo a obra do autor.

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