Perdas e Danos - Josephine Hart

"Eu abrira uma porta para uma câmara secreta. Seus tesouros eram imensos, seu preço seria terrível. Sabia que todas as defesas que havia construído com tanto cuidado eram fortificações e trincheiras construídas sobre a areia. Não tendo conhecimento de nenhum outro caminho, minha jornada através dos anos fora feita buscando e abraçando os marcos e limites da normalidade.Será que eu sempre soube da existência desta alcova secreta? seria o meu pecado, em princípio, a falsidade? Ou, mais provavelmente, a covardia? Mas o mentiroso conhece a verdade. O covarde conhece seu medo e foge.E se eu não tivesse conhecido Anna? Ah, quanto não teria sido poupado àqueles que sofreram tamanha devastação por intermédio de minha mão!Mas conheci Anna. E tive que fazê-lo, e abrir aquela porta. E entrar na minha câmara secreta. Queria sentir a minha passagem pela terra, agora que já ouvira a canção que canta da cabeça aos pés; e experimentara a selvageria impetuosa que arrasta, rodopiando, os dançarinos para longe dos olhares chocados dos telespectadores; descera cada vez mais fundo e subira cada vez mais alto no interior de uma realidade singular - a explosão estonteante do ego.[...]Começar a existir através da mão de uma outra pessoa - como eu pela mão de Anna - tem como conseqüência estranhas e inimagináveis necessidades. Respirar se torna mais difícil na ausência dela. Eu sentia, literalmente, que estava nascendo. E porque o nascimento é, por natureza, violento, nunca procurei e tampouco encontrei gentileza. Os limites externos de nossa existência são alcançados através da violência. A dor se transforma em êxtase. Um olhar se transforma numa ameaça. Um desafio íntimo, mais profundo do que olhares ou palavras, que só Anna e eu poderíamos compreender, nos arrastou, fazendo com que continuássemos, seduzidos pelo poder de criar nosso magnífico universo particular..."


E hoje trago a resenha de um livro que me pegou de jeito esses dias, Perdas e Danos, de Josephine Hart. Apesar de ter lido pouco esse ano, confesso que essa obra me despertou a atenção porque a capa me lembrou muito Último Tango em Paris, e apesar de serem histórias diferentes, ela se revelou trágica, intensa e avassaladora. Bem o tipo de livro que gosto... Publicado pela Editora Record, Perdas e Danos conta a história de Stephen Flemming, um respeitado homem pertencente à nata da sociedade, que faz parte do Parlamento britânico. Narrado em primeira pessoa, ele conta a trajetória de sua vida, como conheceu sua atual esposa, teve seus dois filhos e sobre Anna, que entrou de forma inesperada em sua vida, trazendo com ela paixão, sexo, perigo e destruição.

Anna é a nova namorada de seu filho, e rapidamente explode uma paixão entre nora e sogro, o que seria um escândalo caso fossem descobertos. Anna é misteriosa, não fala muito sobre sua família ou passado, mas Stephen descobre aos poucos sobre a vida da mulher que está prestes a se tornar esposa de seu filho Martyn. Stephen narra com detalhes a sua vida insossa e 'ideal' aos olhos da sociedade, pois tem um cargo respeitado, filhos perfeitos, uma mulher bonita e elegante, mas tudo isso fica em segundo plano quando ele se envolve com Anna. Ela trouxe cor à sua vida até então cheia de mesmice. Apesar de se sentir culpado em alguns momentos, ele deseja ardentemente sua nora e tenta suprimir o ciúme de vê-la com Martyn. A esposa parece não suspeitar de nada, na verdade, ninguém sabe sobre a relação dos dois, apesar do padrasto de Anna aconselhar Stephen a desistir daquela loucura, porque ele conhece a enteada e sabe que aquela história pode acabar em tragédia...

Confesso que quis grifar capítulos inteiros do livro, mas não poderia porque peguei de um amigo emprestado, então anotei várias passagens intrigantes e marcantes ao longo do livro... Existe uma adaptação para o cinema, trazendo Jeremy Irons no papel de Flemming e Juliette Binoche como Anna Barton. Ainda não assisti, mas pretendo em breve... Até então, eu não conhecia a autora e posso dizer que a primeira impressão que ficou é de que ela escreve com maestria. Por ser em primeira pessoa, senti durante a leitura que estava conversando com o personagem num balcão de bar, em que ele me contava toda a sua história, regada a doses de Whisky [sim, minha imaginação é fértil]. Não sei ao certo em que época a história foi ambientada, mas creio ser algo desnecessário situá-la em alguma década, mas provavelmente, entre os anos 60 e 80...


"Uma folha caiu lentamente sobre a terra, como uma gigantesca lágrima verde. Eu não tinha lágrimas a derramar. Apalpei meu corpo, tocando os braços e o peito. Está coisa terá que ter um abrigo em algum lugar até estar finalmente pronta para ser enterrada. Tenho que [...] viver, continuar vivendo. Mas precisaria de alguma espécie de caixão."

A trama carrega em si mesma todo um histórico de tragédias no passado de Anna. Um suicídio marcou sua adolescência. Um relacionamento antigo vindo à tona. Anna é fria, é a 'razão' do casal, pois Stephen age com paixão e desespero. O seu emocional é mais carregado... Por Anna, Stephen chega ao ápice e sofre uma queda em toda sua vida. A morte leva alguém de sua família, sobra apenas o sentimento de remorso, derrota, o fim de sua carreira... mas ainda assim, em vários momentos, tudo o que ele deseja é 'Anna'.  

"tudo o que resta de uma vida que você amou é um corpo a ser enterrado."
Para aqueles que gostam de histórias regadas a amores proibidos e tempestuosos, com pitadas de sexo e finais trágicos, eis uma boa pedida...

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