Engasgos: Non-Stop, de Martha Medeiros e As Esganadas, de Jô Soares

Passei as últimas semanas em recuperação. Uma forte gripe e nebulosa crise de enxaqueca decidiram galopar nas minhas costas ao mesmo tempo. O lado bom da convalescença foi ter conseguido tempo para ler dois livros simultaneamente e encerrar a leitura rápido. Li "Non-Stop: Crônicas do Cotidiano", da autora porto-alegrense Martha Medeiros, e "As Esganadas", do humorista Jô Soares. O ponto em comum entre os dois foi que terminei a leitura com um engasgo de insatisfação. Explico.

Meu primeiro contato com Martha Medeiros foi com o pocket "Noite em Claro", lançado na coleção 64 páginas da editora L&PM. Naquela oportunidade, notei que alguma coisa não tinha sido digerida. Ficou uma lacuna, um tipo de sentimento que eu não entendi. Na época, cheguei a comentar que deveria procurar mais sobre os trabalhos da colunista para saber se a primeira impressão é, como costumo chamar, a "dançarina das eternizações". Pois bem, eu segui minha recomendação interna e procurei. Non-Stop é um livro de crônicas produzidas por Martha entre os anos de 1999 e 2001 (se não me falha a memória, já que não estou com a obra em mãos). Com uma linguagem leve, a jornalista trata de temas cotidianos, como paixão, trabalho, relações, observações, sexo, música, cinema. O que não consegui localizar na leitura de Noite em Claro eu percebi nessa coletânea de crônicas: os textos de Martha me parecem repetitivos, mergulhados em senso comum e sem a pitada irônica que instiga ou provoca. A autora se contradiz em poucas páginas, como quando defende o uso da bicicleta como transporte - movida pelo exemplo do país europeu que visitou -, mas só para trafegar em curtas distâncias, afinal de contas, ela não se imagina saindo de um "hipermercado com nove sacolas amarradas no guidom". Fora essa raspada fora, Martha se perde em reduzir debates sobre a relação homem e mulher ao senso mais do que comum, bem ao estilo "ele quer isso, ela quer aquilo" e "ele é assim, ela é assado". Esse tipo de polarização não me atraia e cheira a reducionismo. 

Para não falar apenas de espinhos, gostei da construção de algumas ideias (como a da morte de nossas efemeridades cotidianas), e acho que, seguindo uma tendência menos manual e mais pensamento, Martha Medeiros poderia mergulhar fundo, deixando os baldes de areia para outra oportunidade.

O enfado continuou com "As Esganadas". A narrativa de Jô não conseguiu me envolver, já que está mergulhada em deboches preconceituosos. Localizei doses altas de lugares-comuns, apelações desnecessárias, gordofobia e piadas chulas, além de um texto sonolento. Sem brincadeira alguma, eu posso afirmar para vocês que consegui deduzir cada ideia desenvolvida nos parágrafos posteriores ao primeiro, tal
é a previsibilidade do texto. A história fala de um serial killer estereotipado que só mata gordas, tocando o terror no Rio de Janeiro da Era Vargas. Um detetive português resolve colaborar com a polícia carioca, que também recebe o apoio de uma jornalista decidida, moderna, dona do seu próprio nariz e especialista em coberturas tensas. Os personagens são fracos, os diálogos repletos de clichê, uma parte das cenas são mal desenvolvidas e por aí vai. Destaque para o personagem Caronte, o psicopata anunciado logo nas primeiras páginas. Apesar de banhado em clichês, Caronte é o responsável por eu tomar fôlego diversas vezes e continuar a leitura. Aterrorizado por traumas e doenças, o dono da funerária aproveita seus dons artísticos para o mal e tem um quê distante de doutor Hannibal Lecter. Atentem bem: falei um quê distante

Os dois livros foram presentes e, como faço em situações assim, partilhei com amigos. Acho que o fato de não sentirmos sintonia com uma obra/autor não desmerece seu trabalho. Não podemos reduzir o pensamento dos outros pelos nossos. Como dizem por aí: cabeça dos outros é terra de ninguém. Não gostou? Passa para frente! Com certeza, alguém vai ficar muito feliz em ter a oportunidade de experimentar algo novo. 

~ Dica do Dose ~

Experimentei chás e cafés deliciosos durante esse meu período de cama. Algumas dessas bebidas são presentes trocados entre nós, do Dose Literária. Que tal comprar uma caixa de chás ou o pacotinho de café favorito do seu amigo e presenteá-lo? Vocês podem tomar uma xícara juntos e trocar umas ideias. Se preferir, podem ficar em silêncio, lendo e degustando. (:

Comentários

  1. puxa, Marinha. Pena que esse livro de Martha te deixou essa impressão :(
    eu gosto até agora do que li dela, esse ainda não tive oportunidade...
    Já o de Jô, não me interessei pra ler, e olha que conheço umas pessoas que disseram que é bom... dele eu tenho curiosidade de ler O xangô de Baker Street...
    bjs e essa idéia do chá é maravilhosa :S

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    1. Pois é, Valzita. Não rolou identificação. Já tinha lido o 'Noite em Claro', simpatizei, mas senti que faltava alguma coisa. Agora descobri.

      Esse do Jô me deu enfado. Ele não conseguiu arrincar nenhum ''riso cúmplice'' meu com aquelas piadas preconceituosas. Fora os clichês, ideias que esbarram em lugares comuns... Enfim...

      Mas como essa foi minha primeira experiência, vou dar uma lida no ''Xangô''. Vejamos o que acontece.

      Super mega beijo! Adoro seus textos!

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  2. Boa noite, Mara, gostei de seu texto.

    Sua visão do livro do Jô Soares me passou a ideia de uma obra satírica, embora eu não possa afirmar nada. Talvez leia o livro em breve para chegar as minhas próprias conclusões.

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    1. Oi, Jonathan!

      O livro poderia ter sido melhor explorado se os personagens não fossem tão superficiais, repletos de clichês e preconceitos.

      Mas dá uma lida e depois volta para comentar o que você achou. :)

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