Huxley e sua distopia de Admirável Mundo Novo.

A seguinte resenha é de autoria do colaborador Vagner Reis.


Só pelo título do livro, é possível perceber uma ironia do autor que está presente em todos os capítulos, o que deixa uma característica marcante na obra com uma ironia que não é trivial, uma vez que é pensada em plenas “imaginações” humanas após a maior guerra já presenciada pela humanidade até aquele momento. É em 1932 que Aldous Huxley publica uma de suas maiores obras, apesar de a crítica literária não a reconhecer como a melhor, a distopia, “Admirável Mundo Novo”. É um livro escrito após a Primeira Guerra Mundial e que foi revisado pelo próprio autor em 1946 com algumas considerações iniciais, rendendo a origem de um prefácio que contribuísse para introduzir a leitura e que servisse como fio condutor do enredo.


A história do livro passa-se em 634 d. F. (depois de Ford) numa sociedade completamente permeada pelos avanços científicos que chegam a fazer parte de toda a vida dos homens. Além disso, uma sociedade arraigada num regime social rígido e fixo que não permite qualquer manifestação de individualidade ou de liberdade artística; muitos livros são proibidos, existe uma censura muito grande no comportamento das pessoas daquela sociedade que, por sua vez, é dividida por esferas sociais completamente impermeáveis em que cada um desempenha determinada função de acordo com o “nascimento”. Só abrindo um parêntesis: 
[nessa sociedade pensada por Huxley, não existe nascimento de fato; os seres humanos “nascem” por meio de um processo de incubação conhecido como “Processo Bokanovsky”, isto é, um processo de produção de seres humanos em massa a partir de um óvulo que pode gerar mais de 90 pessoas de uma única vez. Dessa forma, as pessoas nascidas nessa sociedade não têm pai, nem mãe; é desconhecido qualquer arranjo familiar ou parentesco direto].


Continuando, existem vários “graus” que dividem as pessoas e suas funções sociais: os Alphas são as pessoas que figuram a alta sociedade e que se distinguem dos demais pelo que fazem, e pela cor de suas roupas; por conseguinte vêm os Betas, Gamas, Deltas e Epsilons, cada um usando a sua cor de roupa e exercendo alguma atividade distinta, mas o funcionamento daquele lugar só continua pela colaboração de todos, o que é bem sabido entre as eles. Ademais, logo ao surgirem no mundo, todos são condicionados por processos intensos às maiores diversidades que podem encontrar na vida a fim de que nada possa corromper a mente das pessoas e causar alguma crise ideológica e/ou social que obstrua o aparelho de controle firmado sobre as bases científicas. Sendo assim, as crianças logo são familiarizadas com a morte, com a sua posição social e, sobretudo, com as relações sentimentais; por exemplo, não é permitida nenhuma relação de bigamia ou de envolvimento fixo entre duas pessoas que desperte sentimento forte que vincule-os. Assim, o lema fica: “Todos são de Todos”, e todos só existem dentro disso.

Aldous Huxley (1894-1963)


É esse basicamente o status quo dessa sociedade de 634 d.F. em que o grande ideal não passa nem pela religião, nem pela ciência em si, mas pelo cara que influenciou todo o processo produtivo da época de Huxley e que serve como marco inicial do tempo: Henry Ford. Apesar de todos os problemas ironizados pelo Huxley, nessa sociedade todas as pessoas se sentem felizes e, na minha visão, é a grande sacada crítica do autor, porque o grande problema da obra centra-se muito mais na posição cômoda da sociedade do que realmente nas contradições e nas instituições coercitivas e controladoras. Existe um diálogo forte entre os problemas sociais e a pouca atividade contestadora das pessoas por se sentirem todas felizes nessa situação sem liberdade individual e de muitas restrições. Numa sociedade trancada, era de se esperar que tudo fosse muito sufocado e que os homens se sentissem presos, mas o que ocorre é justamente o contrário. E dentro da narrativa, Huxley ainda lança uma ideia genial àquelas pessoas que se sentem desconsertadas nesse arranjo político: uma pílula da felicidade, denominada de “soma”; qualquer pessoa que se sinta triste ou infeliz em qualquer momento, basta tomar essa Soma que logo se anima e fica contente sem qualquer problema. Basicamente, essa ideia da felicidade é designada por discussão em um personagem central que também é elemento chave da história, o Bernard Marx, o qual também é o enunciador e grande proclamador dos conflitos entre o “sistema fordista pensado por Huxley” e o indivíduo, além de induzir uma boa discussão sobre os assuntos mais pertinentes do livro.

Esse Bernard é um cara que se sente inconformado com todo o sistema vigente e começa a enxergar vários defeitos naquele mundo em que vive e chega a compartilhar certas ideias com seus amigos que insistem que ele pare de pensar essas coisas tolas e tome maiores quantidades de Soma para melhorar o seu estado; mas ele rejeita de pronto. Há uma parte incrível do livro que relata a ida do Bernard e de seus amigos, entre eles Lenina por quem é apaixonado, para um lugar chamado Malpaís; esse lugar é relatado pelo autor como uma espécie de uma sociedade primitiva que destoa completamente em tudo da sociedade de Bernard e de Lenina, que logo se deparam com grandes questionamentos e doses de “uma nova realidade”: a velhice, pois eles nunca envelhecem; a reprodução sexual natural, pois eles não têm mãe e pai e acham um absurdo isso; em suma, todas as características da constituição de uma família entre outros temas. O inverso também é válido, quando o “selvagem” conhece o mundo de Bernard e Lenina.

Bem, é evidente a crítica que Huxley faz ao padrão de reprodução social fordista com todos os seus entraves e dificuldades de valorização do homem que ele se preocupava. E de tão impactante que foi o pensamento dessa obra, as reflexões que o autor propôs em 1932 fizeram eco no Pós Segunda Guerra Mundial sobre um regime de acumulação fixo em que as pessoas estavam presas à produção, ao seu trabalho, à universidade e que não permitia um crescimento individual; tanto que foram essas algumas das questões levantadas nas revoltas de 1968 que pediam uma modificação social urgente e total. O livro vale a sua leitura por toda a crítica que um contexto histórico estava desenvolvendo e, claro, também pelo envolvimento que o Huxley leva o leitor sobre grandes passagens das obras de Shakespeare e de toda a trama até chegar ao desfecho final do livro com muitas reflexões e questionamentos propostos ao leitor. Desse modo, apresenta um final que nada mais é do que um término inconcluso, não pela falta de sentido, mas por transmitir uma ideia de continuidade e possível afirmação das apostas do autor para o futuro. Não aconteceu completamente o que o Huxley premeditava, mesmo acertando em alguns aspectos, mas a meu ver, as consequências históricas foram tanto quanto problemáticas.

Boa leitura!

Comentários

  1. AMN é um livro que merece ser lido. Fantástico, inteligente, crucial para levantar reflexões...
    um dos meus preferidos, com certeza <3

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