Nuances da traição: Um corpo na biblioteca, de Agatha Christie, e Tipo Destino, de Susane Colasanti

Traição é um desses substantivos odiosos aos ouvidos do ser humano, independente de que pessoa, objeto ou situação ele faça referência. Na literatura, o tema é tratado de infinitas maneiras, sempre como sinônimo de frases impactantes como "nossos laços foram cortados" ou "vou te matar". 

Na última semana, dois livros escritos por pessoas diferentes e em séculos distintos chamaram minha atenção para o tema. O primeiro deles, "Um corpo na biblioteca" (original The body in the library, tradução de Edilson Alkimin Cunha, editora Saraiva de Bolso, 2012, págs. 188), escrito pela conhecida "Rainha do Crime", Agatha Christie, envolve o corpo de uma jovem dançarina encontrado na biblioteca de um respeitável coronel. O alvoroço é tremendo e o assassinato vai apresentando personagens que se ligam a outros personagens, descortinando os acontecimentos para uma teia de traições veladas.

Essa foi a minha primeira experiência com a "detetive" Jane Marple, uma solteirona de idade avançada e que, usando sua exímia sagacidade em associar fatos e pessoas da sua pequena aldeia com acontecimentos ao redor do mundo, consegue desvendar os mais inimagináveis crimes. O rastro deixado pelo assassino foi pressentido pela senhora detetive e por um grupo de investigadores locais, seguindo da biblioteca da cidade do interior até um hotel à beira mar. Nele, o grupo encontrou uma família que possuía relações com a dançarina encontrada morta, e a partir de detalhes soltos no ar, além de conversas minuciosas, o caso vai ganhando forma.

Como eu não conhecia os métodos de Miss Marple, prossegui com a leitura sem me deixar impressionar muito. O enredo é interessante, não deixa o leitor dormir no ponto, mas não senti ressonância com Miss Jane Marple, afinal, encontrar soluções com base em observações e em comparações do perfil psicológico e comportamental dos membros da comunidade a qual pertence, para depois associar com outros fatos distintos, não é lá método funcional. Como leitora e produtora de textos, gosto de ter sempre um pé no que é razoavelmente plausível. Miss Marple é ininteligível. Acabei tecendo comentários ácidos do pedante Poirot, mas descobri que passar um tempo com as "adivinhações" da senhora detetive é missão bem mais complicada. Prefiro os bigodes belgas insuportáveis! 

Caricatura de Miss Marple garimpada na internet


Apesar da observação, o livro é divertido e vale a leitura.

Na sequência do assunto "traição", li "Tipo Destino" (original Something like fate, tradução de Ana Lucia Guilherme Rodrigues, editora Novo Conceito, 2013, págs. 288), da autora Susane Colasanti, nome registrado na concorrida lista de best-sellers do The New York Times. O livro já foi resenhado pela Maria Valéria e, após a leitura das impressões que ela registrou, decidi dar uma conferida no romance. 



Como a Val comentou no post, "Tipo Destino" vem com as mesmas inquietações e clichês dos filmes teen produzidos pela Disney, por exemplo, ou de roteiros como o de Malhação, novela global. Duas amigas inseparáveis têm o sentimento questionado por uma terceira pessoa, no caso, o namorado de uma delas. Enquanto Erin é popular, bonita, confiante e bem relacionada, Lani é preocupada com causas ambientais, retraída, obcecada por astrologia e outras ciências esotéricas, além de não se considerar atraente. No centro da disputa, um sujeito chamado Jason, cuja semelhança com os gostos e afinidades de Lani a fazem querer estar com o rapaz para todo o sempre (experiência típica da fase juvenil).

No meio desse amor proibido, está o relacionamento das duas garotas, fortalecido por uma tragédia pessoal vivenciada e que resiste apesar das diferenças. Até aparecer o galã do livro, claro. No entanto, a parte que mais me chamou a atenção no livro não tem a ver com o trio amoroso, e sim com o amigo de Lani e Erin, Blake. O rapaz precisa esconder de todos a sua sexualidade e vive infeliz, atormentado e excluído dos próprios sonhos. Por ter um pai extremamente violento e machista, Blake não vê a hora de entrar para a faculdade, onde poderá respirar sem máscaras.

Impressionante o número de casos de homofobia espalhados pelo mundo, mesmo com a crescente evolução das ideias e pensamentos. A ignorância, visão limitada e fanatismo religioso são pílulas da regressão, impedindo a existência de mundo livre de preconceitos e violência. A durabilidade desse tipo de ação desprezível depende diretamente do nosso comportamento. 

Susane Colasanti. Créditos: Jayd Gardina

Além dessa questão importante, gostei do fato de Lani e Erin se interessarem por astrologia, numerologia, grafologia, quiromancia, dentre outras práticas esotéricas. Pessoalmente, tenho o hábito de estudar esse tipo de conteúdo, e me empolguei com o quadro anual de estudos e pesquisas executado por elas - e que está expresso no livro. E antes que esqueça: Me amarrei no fato de Lani ser fã de Death Cab for Cutie e estar em duas sequências da história escutando "Transatlanticism", minha música e álbum preferido da banda.

"Tipo Destino" usa fórmulas teen para lidar com assuntos próprios da idade, incluindo a pavorosa traição, além de não ser uma leitura cansativa. Quer uma dica? Deixe a também melosa "Take a Bow", da cantora Rihanna, fazer parte do seu playlist enquanto lê o livro.

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