Gêmeas diferentes, unidas pelo mesmo segredo... Corações Feridos, de Louisa Reid


Acabei a leitura desse livro e ainda estou sob um efeito de desconforto, e confesso que tive muita raiva em alguns momentos, a ponto de ter que pausar a leitura, para tomar fôlego e continuar os capítulos. E não é porque o livro seja ruim, é justamente por ser densa e bem construída que a história me prendeu, de forma como se eu quisesse entrar no livro e espancar o pastor Roderick. 
Esse personagem é de longe, um dos mais detestáveis que já tive o [des]prazer de conhecer na literatura. Minha indignação foi tamanha que a toda hora eu soltava uma exclamação e fazia muitas caretas de desgosto [meu namorado observando tudo]. 

Corações Feridos, da autora Louisa Reid e publicado pela Editora Novo Conceito trata da história de duas irmãs gêmeas, que sofrem os horrores dentro de casa, aos cuidados de uma mãe submissa e louca, e um sórdido pai [Roderick] e fanático religioso. Para o mundo lá fora, ele é um exemplo de homem perfeito, de caráter inabalável, quase um messias da paróquia, em que os fiéis confiam cegamente e devotam seus dízimos para a caridade organizada pela igreja. 

Mas a aparência de bom homem que ele tanto demonstra está longe do que ele é na realidade, quando não tem ninguém olhando. Ele é tirano, tudo que as meninas fazem é pecado, e ele inflige severos castigos quando suas ordens não são obedecidas. Por medo dos espancamentos que elas sofrem, nunca se revoltam contra o pai, e não encontram na mãe alguém em quem possam confiar ou pedir ajuda. A mãe, Maria, é tão louca quanto o pai, e se não as castiga fisicamente como ele o faz, acata suas decisões e destrata ao máximo as gêmeas. 

Hephzibah é a irmã bonita, mas voluntariosa e caprichosa. Almeja sair de casa e vê sua chance quando conhece Craig, um garoto da escola, que logo engata um romance proibido com ela. Elas nunca saiam de casa, estudavam em regime domiciliar e por um acaso do destino, os pais resolveram matricular as duas na escola do bairro, embora contrariados com essa decisão. Hephzi necessita ser como as garotas normais de sua idade, 16 anos, mas teme passar vergonha pela sua inocência em certos assuntos, teme que as pessoas conheçam sua vida com seus pais. E além de tudo tem Rebecca, a irmã deformada, que ela sente vergonha de mostrar aos outros e na vida escolar, é como uma espécie de fardo que ela gostaria de se ver livre. Hephzibah oscila entre momentos de pena da irmã, e a vê também como empecilho para sua fuga do cotidiano. 

Rebecca, além de introspectiva, é mais calma e cuidadosa. Ela morre de medo do pai, é a mais surrada das duas filhas e tem que conviver com os olhares tortos das pessoas por conta de sua aparência. Ela sofre da Síndrome de Treacher Collins, que consiste na má formação dos ossos do crânio, durante a gestação. Reb tem que conviver com a síndrome, com o estigma que seus pais lhe impuseram [eles diziam que ela era marcada pelo mal, ou coisas do tipo] e com os maus-tratos ao longo de 17 anos. 

As irmãs não podiam frequentar a casa de outras pessoas, não podiam ter roupas novas, era proibido ler, menstruar era sinônimo de castigo dos céus, e se ousassem contar para alguém as inúmeras privações que sofriam, teriam que arcar com as conseqüências, de forma violenta...
Hephzibar tentou escapar da opressão do pai fanático, mas acabou pagando com a vida por sua 'afronta'. Rebecca é a única que pode falar ao mundo lá fora o que realmente aconteceu com sua irmã. Sua morte não foi mero acidente. Sozinha, tendo que enfrentar a vida sem a irmã, que ela tanto protegia e 'cobria', Reb precisa escapar, ou vai terminar como Hephzi... Ela precisará enfrentar seus medos, juntar forças e pedir ajuda. Mas ela não tem ninguém para ajudá-la... A única que poderia tirá-la daquela situação é sua avó, a quem o pastor odiava e que, de certa forma, contribuiu para sua morte, algum tempo antes de Hephzibah morrer...

A narrativa se dá por capítulos alternados de uma e outra. Reb narra os acontecimentos após a morte da irmã. Hephzibah narra os acontecimentos de seu cotidiano com a família e de como planejava escapar daquela vida, além de seu relacionamento com Craig, suas experiências com amigas e na escola. Ambas falam de sua relação de irmãs, de uma proteger a outra, das brigas e incompreensões de personalidade. Apesar de gêmeas, elas eram diferentes fisicamente [devido à síndrome de Rebecca] e também pela forma de lidar com os problemas e confusões da cabeça de meninas com sua idade. 

Achei a leitura densa, pesada por conta das muitas situações que me indignaram, e nos faz conhecer um pouco da síndrome de Rebecca [que até então eu nunca tinha ouvido falar]. Sem contar a questão fanática-religiosa dos pais das meninas, que podem acontecer ao nosso redor e sequer percebemos. Me fez questionar: será que tantas famílias perfeitas que vemos por aí realmente são assim longe dos holofotes da 'socialização'? Dentro das paredes de uma casa, de uma aparente família perfeita e ética aos olhos de Deus, podem ocorrer horrores como os vividos pelas protagonistas do livro e ninguém percebe o fato... Não apenas pelo caráter religioso da situação, mas ressalto tal tema aqui por se tratar da abordagem do livro. 

Em suma, é um livro que toca bastante, choca e nos põe em reflexão... Vale a pena dispender algumas horas de nosso dia para apreciar a obra da autora. 





Louisa Reid é formada em Inglês pela Hertford College, em Oxford. É escritora e professora em Cambridge. É casada e tem duas filhas. 







Corações Feridos
Autora: Louisa Reid
Editora: Novo Conceito
Ano: 2013
Edição 1
256 páginas
Ficção, Drama.
Preço sugerido: R$ 29,90



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Comentários

  1. Val, eu me REVOLTO em livros em que aparecem fanáticos religiosos. E eu acho que teria a mesma situação que você porque fiquei louca aqui só de ler a resenha. Parece um livro forte, eu não dei muita atenção antes mas agora deu até vontade de lê-lo.

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    1. ele é ótimo, Tama. Minha escolha dos títulos de setembro foi certeira rsrss :)
      vc iria ficar indignada pq o pastor é o 'demônio' de ruim em forma de gente. EU mataria ele, se ele fosse meu pai, sério. ¬¬
      Dá uma pena danada da gêmea deformada, puta merda... =/

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