O eremita alemão Arthur Schopenhauer registrou que "a solidão é a sorte de todos os espíritos excepcionais". Para indivíduos assim, o silêncio, a obscuridade e o sibilar do vento são companhias essenciais. O poeta brasileiro Afonso Henrique da Costa Guimarães, conhecido como Alphonsus de Guimaraens, viveu de forma solitária e silenciosa, como se um abismo profundo o separasse do restante do mundo.
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Alphonsus de Guimaraens - Créditos: Museu Casa A.G |
Alphonsus nasceu na belíssima cidade histórica de Ouro Preto (MG), em 24 de julho de 1870, e morreu isolado em Mariana em 1921.
Sua obra poética é marcada pelo misticismo e religiosidade, com versos que lembram o céu enegrecido em dias tristes, um suspiro de lamentação pelo ente querido que deixou este plano, um amor impossível que leva à inadaptação ao mundo. Alphonsus de Guimaraens escrevia e existia como um espírito imerso em triste meditação, fruto da dor gerada pela morte prematura de sua prima e noiva Constança, filha do escritor Bernardo Guimarães, vitimada aos 17 anos pela tuberculose.
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Constança: musa inspiradora de Alphonsus, morreu precocemente. Créditos: APM |
Apesar do ocorrido, o poeta simbolista seguiu com a vida terrena e contraiu matrimônio com Zenaide Silveira de Lima, com quem teve 15 filhos. Em entrevista, um dos filhos do casal - o também poeta Alphonsus de Guimaraens Filho -, falou que a mãe lidou de forma saudável com esse "amor avassalador" do marido.
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Zenaide e o marido Alphonsus - Créditos: Museu Casa A.G |
O fato é que as obras do solitário mineiro tem grande importância para a poesia brasileira, apresentando uma escrita marcadamente etérea e capaz de transcender o mundo físico. Entre os poemas mais marcantes figuram "Setenário das Dores de Nossa Senhora", "Câmara Ardente", "Dona Mística", "Kyriale", "Mendigos" e "Ismália", sendo este último o mais conhecido do autor.
Apesar da grandiosidade de sua poesia, Alphonsus de Guimaraens ainda é pouco citado e lembrado pelo público brasileiro, fato que não posso deixar de lamentar. Tenho uma enorme predileção pelos poemas do ex-juiz mineiro, que soube viver sua vida de forma contemplativa e sem estardalhaços. Li em uma resenha escrita em 1976 que Alphonsus é apontado por alguns críticos como o "Verlaine brasileiro", já que não é difícil localizar a influência do poeta francês nos textos do simbolista brasileiro. Só que, diferentemente do autor de "A Angústia", Alphonsus de Guimaraens foi um homem que preferiu o abandono da terra para continuar de olhos fixos no céu de sua fé.
Dentre os poemas que mais gosto estão "Ismália" e "Pulchra ut Luna". Confira e permita-se encantar:
PULCHRA UT LUNA
II
Celeste... É assim, divina, que te chamas.
Celeste... É assim, divina, que te chamas.
Belo nome tu tens, Dona Celeste...
Que outro terias entre humanas damas,
Tu que embora na terra do céu vieste?
Celeste... E como tu és do céu não amas:
Forma imortal que o espírito reveste
De luz, não temes sol, não temes chamas,
Porque és sol, porque és luar, sendo celeste.
Incoercível como a melancolia,
Andas em tudo: o sol no poente vasto
Pede-te a mágoa do findar do dia.
E a lua, em meio à noite constelada,
Pede-te o luar indefinido e casto
Da tua palidez de hóstia sagrada.
ISMÁLIA
Quando Ismália enlouqueceu,
Pôs-se na torre a sonhar...
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar.
No sonho em que se perdeu,
Banhou-se toda em luar...
Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar...
E, no desvario seu,
Na torre pôs-se a cantar...
Estava perto do céu,
Estava longe do mar...
E como um anjo pendeu
As asas para voar...
Queria a lua do céu,
Queria a lua do mar...
As asas que Deus lhe deu
Ruflaram de par em par...
Sua alma subiu ao céu,
Seu corpo desceu ao mar...
Plus:
Quem quiser ter acesso a mais alguns poemas, basta clicar neste link e baixar o material em pdf.
Para saber mais sobre a vida e obra do poeta simbolista, assim como conhecer o museu que carrega o nome do mineiro, acesse o site "Museu Casa Alphonsus de Guimaraens".
Também sou fã do poema "Ismália" :) (não sei porque, mas sempre ele sempre me lembrou o poema do Poe "Annabel Lee").
ResponderExcluirAgora eu tenho que reconhecer que conheço muito pouco sobre o Alphonsus de Guimaraens...faz tempo que não leio os velhos românticos. Mas vou anotar aqui pra procurar algo dele ;)
Eu tenho sinto alguma lembrança com o "Annabel Lee". Aliás, esse é um dos poemas do Poe que mais gosto - depois de 'The Raven'. :)
ExcluirUm tio meu, futuro padre (I think so), fez uma análise interessantíssima para Ismália. Ele conseguiu perceber a história bíblica de Ismael dentro desse poema. Infelizmente, não sei explicar aqui como ele chegou a esse ponto, mas um dia vou pedir que ele escreva um texto interpretativo sobre o poema, já que vai ser bem legal compartilhar mais ideias.
Beijão,
incrível a história dele, não sabia desses detalhes...
ResponderExcluirparabéns pelo post... ^^
http://torporniilista.blogspot.com.br/
Obrigadão, Maria Valéria! :)
ExcluirEle é um dos meus poetas favoritos e é sempre muito bacana quando encontramos ''o homem por trás do mito''.
Beijo,
Putchra ut Luna, me lembrou um trecho de O Nome da Rosa de Umberto Eco. E poxa, Ismália é um dos meus preferidos também. Lembro como se fosse hoje quando tive que recitá-lo na aula de literatura do Ensino Médio.
ResponderExcluir*lembranças boas*
Contraiu matrimônio é ótimo, usarei mais vezes! rsrs
ResponderExcluirQuinze filhos? :O E eu achando que era exagerada! rsrsrs
Delícia de post, poesia, fotografias antigas, vida & obra desse lindo... perfeição!
Conheci Ismália pela primeira vez através de uma adaptação que uma amiga fez, que também ficou linda, e fui pesquisar mais a respeito de Guimaraens, cheguei a ler várias de suas poesias na net, mas nunca encontrei nenhum livro... terei que procurar mais atentamente pelos sebos. Existe um "Antologia Poética"?
Eni <3,
ExcluirDei uma pesquisada breve, mas não encontrei nenhuma edição atualizada. No site da 'Estante Virtual' conseguimos encontrar algumas coisas. Estou me preparando para comprar alguma edição. Aqui, ó: http://www.estantevirtual.com.br/q/alphonsus-de-guimaraens
Super beijo,