O Pagador de Promessas prometido antecipadamente

Há tempos que queria dedicar um momento de leitura para um nacional e O Pagador de Promessas foi um dos que eu desejei ler assim que me deparei com a história na televisão. Não lembro se vi o filme (1962) ganhador da Palma de Ouro do Festival de Cannes, ou se cai em uma adaptação Global enquanto trocava de canal, mas lembro-me de ter visto algumas cenas desta história e o interesse por conhecê-la completamente surgiu a partir de então.
Ano passado ganhei alguns livros do projeto paulista “Leituras do Professor” e o livro em questão estava num dos kits literários, bastava então tempo e oportunidade para lê-lo.


É uma peça do gênero teatro brasileiro considerado a obra-prima do teatrólogo e autor de novelas Dias Gomes, conhecido internacionalmente, que narra a saga do simplório Zé-do-Burro, que sai do interior da Bahia ao lado da esposa Rosa, com destino a Salvador, a pé, carregando por 360 quilômetros uma enorme cruz de madeira nas costas para cumprir uma promessa pela graça alcançada à santa, conhecida pela igreja católica como Santa Bárbara e pelo candomblé como Iansã. Ambas são a mesma santidade, porém, a distinção dos nomes feita pelas entidades religiosas é que vem a ser o causador de todo conflito que se sucede e do infortúnio do nosso protagonista.

No Prefácio muito bem escrito por Sábato Magaldi, nesta 51ª edição lançada pela Bertrand Brasil em 2010, somos introduzidos a uma análise literária, elucidativa, comparativa, porém, com um desnecessário resumo da história que estamos prestes a ler, contando o desfecho e o final.
Em seguida vem a Nota do Autor, em que Dias Gomes comenta que a obra vem a ser uma critica social, e de todo o seu sentido simbólico, mas também comete o mesmo erro de contar o final da história.
Quanta decepção.


Ler a história já sabendo o que vai acontecer no final muda todo o ritmo da leitura, todo o sentido, toda a compreensão. Tudo bem se houver análises da obra no próprio livro, tornando-a uma fábula com a sua moral da estória de brinde, mas que seja no posfácio, e que a Nota do Autor seja posta de forma conclusiva, não no início da obra!

Tal introdução me tirou toda a expectativa, todo o prazer da leitura, apesar de ser uma história curta, 173 páginas que podem ser lidas em cerca de 2 horas, não encontrei razão nenhuma nesta preparação à leitura, e sinceramente, minha intelectualidade quase se sentiu ofendida com essa inversão editorial, a minha vontade foi largar a leitura antes de iniciá-la, afinal, já sabia exatamente o que encontraria pela frente.
Pode até soar pedantismo de minha parte àqueles que encontraram sentido nesta edição, mas acredite, eu entendo a intenção contextual dos editores, mas me senti lesionada por não ter a liberdade de discernimento, de reflexão ao final da leitura, visto que tudo me foi posto antecipadamente, me tirando o direito de opinião própria.


Não sou crítica literária, tampouco me acho no direito de influenciar os leitores desta obra, mas se você um dia tiver a curiosidade e a oportunidade de ler o livro, garanto que será uma ótima experiência, mas evite ler as primeiras 18 páginas para não cair nessa desacorçoada sensação em que me encontro.

Só para finalizar, antes de me perder em mais indignação e divagações, a obra dividida em três atos, é agradável de se ler, faz o leitor se desdobrar em cada um dos 19 personagens e se compadecer com a determinação e inocência do herói Zé-do-Burro que dotado de valores morais e de honra se vê diante de um grande impasse, determinado por ele como um dever, questão de vida ou morte, o pagamento da promessa que fez à santa por ter salvo seu burro, companheiro e melhor amigo, Nicolau.

Dias Gomes

Imagens do filme homônimo de 1962.

Comentários

  1. Puxa, que bacana, Eni! Eu já estava mesmo pensando em ler alguma coisa do Dias Gomes faz algum tempo. Ganhei o 'Pagador de Promessas' quando estava no colégio, mas o tempo foi passando e eu, relapsa, ainda não o li.

    Valiosa dica! :*

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Se já o tens, é só questão de oportunidade para o dito cair em tuas graças, Marinha.
      É curtinho e bom de ler, em 2 horas de leitura você finaliza-o. ;)

      Excluir
  2. "...porém, com um desnecessário resumo da história que estamos prestes a ler, contando o desfecho e o final."

    Vou dizer que quando li isso eu disse um palavrão enorme aqui ¬¬ eu simplesmente ODEIO esses comentaristas (ou sei lá como se chama) que no início dos livros vão discursar sobre a obra e fazem o "favor" ¬¬ de contar o final. Acho um desaforo dar spoiler e ainda mais assim no próprio livro.
    Eu nunca li o mesmo (mas se for já vou procurar outra edição), lembro que quando criança uma professora obrigou a classe a ver esse filme e obrigar um grupo de crianças a ver esse tipo de filme é o mesmo que pedir pra não verem, não é? Nem me lembro bem da história. Hoje em dia se eu encontrasse ele passando com certeza veria.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Nem me fala, Tamara! Quase joguei o livro na parede depois de ler o prefácio. >.< Li a história com o maior desgosto, e juro pra você que estou até agora inconformada.
      Para quem já sabe o que vem pela frente (quem viu o filme inteiro, por exemplo), tudo bem ler sobre o final, mas eu não fazia ideia do que se tratava a história, do porquê e para quem Zé estava pagando essa promessa e como acabaria esta saga, ai de repente levo esse tapa na cara logo na primeira página e descubro o que aconteceu com ele no final. ¬¬
      Frustrante.

      Excluir
  3. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  4. conheço a 'sinopse' pq vi na tv falando sobre o filme, mas não cheguei a assistir ou ler... parece ser bom... se eu encontrar qualquer hora, lerei...

    bjs, Eni...
    http://torporniilista.blogspot.com.br/

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Leia sim, Val.
      A história em si é interessante, não tem como não se compadecer com o protagonista e não torcer por ele durante a história. ;)

      Excluir
  5. Realmente é uma ofensa à inteligência. O quê se busca ao apreciar a arte (seja qual for) é a experiência pessoal que ela proporciona. Anular isso é tirar a qualidade de "arte" da coisa.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Esta edição é distribuída nas escolas de ensino médio, HerrBrandt, e talvez por isso é que o editor tenha feito esta preparação desnecessária sobre o que se sucederia diante dos nossos olhos, um pedantismo inconcebível.

      Excluir

Postar um comentário

Bem vindo(a) ao Dose Literária.
Agradecemos seu comentário e tentaremos responde-lo assim que possível ;)