1001 Livros: Frankenstein, ou O Moderno Prometeu

Um dos monstros clássicos e mais conhecidos de todos os tempos na literatura universal, Frankenstein até hoje provoca curiosidade e apreensão em seus leitores, desde o início até o final da leitura. Escrito em 1817 pela romancista britânica Mary Shelley (1797-1851), a composição desta obra classificada como terror gótico já rendeu diversas versões em teatro, televisão, quadrinhos, cinema, e inspirou diversos outros escritores e diretores, como Tim Burton no filme Edward Mãos de Tesoura.

Antes de ler, já sabemos que a obra se trata da história de um monstro composto de partes de um corpo humano, de tamanho desproporcional medindo cerca de 2,40 metros de altura, com movimentos mecânicos, pele amarelada (em outras versões, esverdeada), parafusos no pescoço, voz grave, que possui forças e habilidades sobre-humanas e de alma demoníaca. Mas sabemos disso tudo através das adaptações cinematográficas que muitas vezes não condizem com a história original.
Frankenstein como muitos pensam ser o nome da criatura (assim como eu pensava), é na verdade o sobrenome do seu criador, o cientista Victor Frankenstein, mas como na história a autora não revela o nome do monstro, e o próprio é considerado “filho” do Dr. Frankenstein, o nome então passou a ser relacionado diretamente ao monstro. 
Boris Karloff na interpretação de Frankenstein (1931)
Nesta edição de 2010 lançada pela L&PM na coleção Pocket (252 páginas), temos a Introdução da Autora em que Mary Shelley descreve a origem desta história escrita quando ela tinha apenas 19 anos, para participar de um concurso de histórias de terror realizado na intimidade do castelo do poeta mundialmente conhecido, Lord Byron, na Suiça. Também conta sobre sua inspiração para criar esta obra prima, e que tirou elementos da história mitológica de Prometeu e da obra de John Milton, Paraíso Perdido (Paradise Lost).

A história inicial é contada através das cartas que o capitão Robert Walton escreve à sua irmã, e posteriormente relatada em seus diários, quando em uma de suas expedições marítimas encontra perdido em meio ao gelo do Polo Norte o Dr. Victor Frankenstein em um trenó puxado por cães, à beira da morte. Capitão Walton recolhe o moribundo do inóspito local e ao receber os devidos cuidados para sua recuperação, o Doutor passa a narrar sua história ao capitão e novo amigo, e nos dias em que o inesperado passageiro do navio permanece à bordo, descreve do início ao fim como ele foi parar naquele lugar e fala sobre sua origem, infância, a vida de seus familiares, seus estudos de alquimia e ciências naturais, e é a partir de tais conhecimentos aprendidos na adolescência e aperfeiçoados na idade adulta na Universidade Alemã de Ingolstadt, que Victor dedica-se a criação de um ser meio-humano. Após a finalização de seu trabalho e o “nascimento” de sua criação, Dr. Frankenstein arrepende-se de tal abominação e abandona o ser a sua própria sorte.

A escritora narra com minuciosos detalhes e com primorosa criatividade esta primeira centena de páginas, o que delonga a história e em algumas partes me arrancou bocejos, mas não deixam de ser importantes para a compreensão do que vem à seguir. A narrativa é toda em tom romântico, com ricas descrições de lugares e sensações, sem contar o vocabulário da Srta. Mary, pomposo e eloquente.

Dr. Frankenstein recebe então uma carta de seu pai descrevendo uma tragédia em família e requisitando a presença do filho em Genebra, onde residia antes de se isolar em seu laboratório no interior da Suíça. Entre o mistério de um assassinato, a sentença de morte de um inocente acusado, e a dor da família pela perda, Dr. Frankenstein passa a desconfiar sobre quem viria a ser o verdadeiro assassino e ao se deparar com o próprio, descobre os motivos que o levaram a cometer tal ato e sente-se ameaçado com um pedido do monstro feito ao doutor, pedido este que até ao final da história o leva gradativamente à ruína de sua saúde física, mental e emocional. Sucessivos assassinatos ocorrem na família Frankenstein mas o autor das barbáries só é conhecido pelo seu criador, que carrega a culpa e remorso por ter dado vida ao abominável ser.

A criatura enquanto narra ao seu criador em dezenas de páginas a sua fuga solitária do laboratório e as maneiras que encontrou para sobreviver num mundo completamente novo para ele, mostra a princípio uma alma humana, pura de sentimentos, livre de maldades, que contempla em seu esplendor as belezas naturais, e que conforme sofre as repreensões, discriminações e atos maldosos vindo dos humanos que se deparam com sua deformada imagem, passa a refletir profundamente quanto a sua existência e suas características físicas horrendas e a não-aceitação das pessoas que ele tenta se aproximar com benevolência, julgando ser seu criador o culpado por desafortunada vida e quer vingança por ter sido abandonado e pelos males que sofreu, vem então a tona o mais vil dos sentimentos humanos, a maldade e o desejo de destruir a vida daqueles que o Doutor Frankenstein tinha mais estima.

Não posso negar que senti compaixão por este monstro, e que mesmo após a leitura continuei piedosamente com a ideia de que a criatura foi vitima das circunstâncias criadas por seu “pai”, que foi o primeiro a desprezá-lo por sua forma, discriminá-lo e abandonar-o à um destino de sofrimento e consequentemente ser desperto por um desejo de vingança por não encontrar motivos para a sua existência. O próprio monstro justifica seus atos desta forma.

No Posfácio escrito por Harold Bloom a intrepidez do monstro é analisada e justificada como sendo sentimentos meramente humanos, somente suas ações e características físicas foram consideradas de fato, monstruosas, e o que transformou de um ser digno de vida como todos nós num ser demoníaco, foi a própria sociedade, que o corrompeu com a sua ignorância e preconceito, ante um ser anormal aos olhos humanos.

Pedi eu, ó meu criador, que do barro
Me fizeste homem? Pedi para que
Me arrancasses das trevas?
(O Paraíso Perdido, X, 743-45)

A história de vida da autora como mulher e mãe também considero interessantíssima, fiquei admirada com a força desta mulher para enfrentar suas próprias tragédias e os fantasmas que carregou ao longo da vida, devido a suas perdas. O wikipédia te conta melhor a história desta honorável escritora.
Mary Shelley, autora de Frankenstein
Ganhei este livro da minha amicíssima Anna Costa, que assim como eu, aprecia e idolatra histórias de terror gótico.

Um livro que recomendo não só para entretenimento, mas para uma análise sobre o lado atormentado e vingativo do ser humano.

Comentários

  1. Só um adendo: caraca, Eni, como você escreve BEM! PUXA!

    :)

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  2. livro fantástico... um dos meus mais queridos...

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  3. Obra prima. Incrível como a pequena Shelley escreveu obra tão boa com apenas 19 anos... Mas também, filha de Godwin, casada com Percy Shelley e amiga de Lord Byron... Viveu sempre em um belo circulo literário.

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