A busca por milagres

Capas de Sobrevivi e Procura-se por um Milagre

Cada qual, ao seu modo, procura por milagres. Profissão, saúde, amor, dinheiro, poder, sexo... A lista de pedidos é grande. Com a proximidade das profecias catastróficas e a guinada meteórica que o turismo religioso e esotérico recebeu nas últimas décadas, o mercado editorial não poderia ficar de fora. Outro fenômeno de larga abrangência tem encontrado espaço nas prateleiras de auto-ajuda, encorpando relatos e depoimentos de pessoas que atravessaram situações desafiadoras, hercúleas.

Por intermédio da minha mãe, passei o último fim de semana lendo dois livros que falam sobre milagres. "Procura-se um milagre - Três mulheres no Caminho de Santiago", da jornalista Celina Côrtes (editora Nova Era, 2011, p. 208) e "Sobrevivi... Posso contar", da farmacêutica-bioquímica Maria da Penha (editora Armazém da Cultura, 2010, p. 203). O primeiro fala sobre a busca espiritual da jornalista, que mescla entre ficção e realidade a história de Isabel, francesa recém-recuperada de um câncer e recém-saída de um casamento fracassado, e as aventuras piedosas da rainha santa Isabel de Aragão, padroeira de Coimbra.

A narrativa enfatiza o Caminho de Santiago de Compostela, longa caminhada que atrai pessoas do mundo inteiro em busca de realizações, mudança interior e, claro, milagres. O trajeto de Celina cruzou com o da francesa Isabel e, misturado aos acontecimentos que marcam o processo da caminhada e da vida das duas, a história da Santa Rainha que ainda nos idos do século XIII fez a travessia, cercada por curas e bençãos. O livro gira em torno das experiências de vida e esotéricas das três mulheres, onde cada qual procura uma estrada para se refazer de alguma coisa. Prefaciado por Muniz Sodré, 'Procura-se por um milagre' é um livro interessante, com escrita leve e que pode ser apreciado em uma só sentada. Pessoalmente, acho que esse tipo de gênero anda saturado e não traz muitas novidades para quem não procura respostas. Terminei o livro com a sensação de ter aprendido um pouco mais sobre as expectativas que podem cercar determinadas atitudes e posturas na vida das pessoas, mas sem me deixar comover ou tocar.

No caso de "Sobrevivi... Posso contar", foi causticante ler sobre o sofrimento da mulher que inspirou a lei homônima ao seu nome, Lei 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha, que "cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher". Os depoimentos biográficos assustam, mas não são uma surpresa, já que as estatísticas de violência e crimes contra a mulher não estancam em ponto algum. Maria da Penha foi alvejada enquanto dormia pelo ex-marido, o colombiano Marco Antônio Herédia Viveiros. Penha ficou paraplégica e tem lutado desde o final da década de 1980 pela punição do marido e extinção de atentados dessa e de qualquer outra natureza contra a mulher.

Apesar de possuir uma linguagem que beira a depoimentos feitos em Juízo, a biografia da cearense revela o dia-a-dia de milhões de mulheres em todo o país e no mundo. Seres humanos que precisam abdicar e obedecer, nunca pensar e nunca agir por conta própria. Criaturas que dão à vida, mas que têm suas vidas retiradas com violência e sem piedade. O livro também traz fotografias, informações e documentos em anexo, fac-símiles, texto da Lei Maria da Penha e atuação de entidades. O tipo de depoimento que vale a leitura e discussão para provocar mudança. A busca aqui é pelo milagre da justiça. Milagre este que deveria ser um direito garantido e assegurado pelo Estado e pela legislação.

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