Carnaval no Fogo


Sem restrição, o sol incendiava uma fileira infinita de casas que se apinhavam umas sob as outras. Essa foi a primeira visão que tive ao sair do Aeroporto Internacional Antônio Carlos Jobim, o famoso Galeão, há três anos. Foi a primeira vez que senti o lugar conhecido mundo afora como ‘a cidade maravilhosa’.

Circulando pelo trânsito apertado até chegar no bairro Tijuca, zona Norte da capital, percebi a movimentação, o barulho intrépido de vozes que mesclavam sorrisos e produtos, as buzinas apressadas que entravam, sem pedir licença, nos meus tímpanos, então acostumados a quatro horas de silêncio. Todas essas sensações vieram muito antes da minha leitura ‘Ruycastriana’, o trepidante “Carnaval no Fogo – Crônica de uma Cidade Excitante Demais” (2003, Companhia das Letras, 256 pág.).

E bateu arrependimento por ter emparedado a leitura deste livro em uma posição tão retardatária. A obra do jornalista e escritor mineiro é uma verdadeira serenata de amor - finalizada com muito sexo pagão - ao sentimento carioca de ser, impulsionado pelas idiossincrasias que coroaram a formação e habitação do Rio de Janeiro. Há mais de uma década, Ruy Castro é colecionador voraz de livros, documentos e experiências que marcaram (e ainda marcam) a história fluminense.

Em “Carnaval no Fogo”, o escritor desenha, com a dose de bom humor e ironia que lhe é peculiar, a trajetória da cidade construída por boa parte dos quatro - ou mais - cantos do planeta. O surgimento do carnaval e do samba como políticas de resistência; as lideranças estrangeiras que por aqui fincaram moradia e estabeleceram contatos não tão formais com a população nativa existente; as belezas de paisagens naturais canibalizadas pela vontade do homem em manter perto de si conforto e luxo; a construção dos bairros tradicionais e a vontade do carioca em viver intensamente são peças fundamentais para começar a entender o que inspirou artistas, intelectuais, expoentes políticos, civis e mais um filão enorme de apaixonados incuráveis pelo Rio de Janeiro.

Castro também faz ode às “instituições sagradas” do carioca, tais como a comida de botequim, as chuveiradas, o fim de um dia exaustivo de trabalho com uma cerveja bem gelada na praia e a bossa nova, para exemplificar. Um livro bonito, apaixonado e que traz um recorte do Rio de Janeiro que ainda hoje seduz milhares de migrantes e imigrantes. O autor não esquece o eterno paralelo que vitima a cidade do fogo: tráfico, miséria, organizações criminosas e uma série de catástrofes sociais. O preço que todas as grandes urbes, em maior ou menor grau, pagam por serem excitantes demais.

Li a obra com um certo atraso, mas consegui experimentar algumas das emoções que Ruy detalhou, tão vivas no coração e na alma fluminense. Me apaixonei. Ardentemente.

Comentários

  1. Como a Michelle disse uma vez, Mara Vanessa descreve o livro de tal maneira que dá "água na boca" rs.
    :)

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  2. Sempre tive essa mesma impressão do Rio, um lugar expetacular, com tamanha beleza natural que me enchem os olhos de brilho, cheio de contrastes, um lugar dividido por diversas classes sociais e culturais, onde cada cidadão enxerga e se orgulha dessa cidade maravilhosa!
    Interessante leitura Mara. ;)

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